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quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Fragmentos de Lira


Não tenho forças. Apenas necessidade. Agora recorro à minha única confidente: a caneta. É minha arma de defesa.
Acreditei que a dor em mim estava sanada, mas é eterna a dor da perda. Queria poder te encontrar e perguntar: Que tipo de garota eu era? A imagem no espelho é outra, já não me reconhecerias.
Lira chorou dentre os bosques, no rochedo de fronte à cachoeira. Apareceu-lhe a figura majestosa de um homem. Ela apaixonou-se pela fantasia. Quando o sol já se punha, revelou-se o horrendo monstro – era essência.
Lira fugiu aos montes. Estava escuro, nebuloso. Avistou uma torre e nela depositou seus dias: em aflita solidão. Após anos de exílio, passava um viajante perdido. Ele ouviu o silêncio, a torre, a musa.
Como que por encanto, foi envolvido. Buscou Lira, ofereceu-lhe alforria. Ela custou a crer: Monstro! Monstro... abismo.

            Oh, pobre! O viajante não era fantasia, era gente. Gente que sente, que ama, fere e sangra. Só um adendo: Lira era tudo menos gente, havia sido devorada pelo monstro, por isso era excremento, era além de tudo, a extensão da torre de Ismália1. Era a lira da loucura.
Infame. Quebrou o espelho da torre e com os cacos fundiu-se em uma hemorragia de morte. O viajante assistiu ao horror, não se jogou da torre. Nem sequer, leitor, arrancou os olhos como Édipo. Ao viajante, restou a existência. Que pensas, há pior castigo?
Deves te perguntar também, e o monstro? Ah, este nunca mais foi visto. Presume-se na vila que este não passa de uma lenda. Mas eu, eu receio, que seja apenas um literato.


1 – Famoso poema de Alphonsus de Guimaraens, que pode ser visto no link: http://www.releituras.com/alphonsus_ismalia.asp ou no vídeo:

                 

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Homo, vita et beatitudo: confrontando o egoísmo ilusório


Meu coração apertado vai se esvaziando dos sonhos de menina, vou cedendo a um mundo que me é uma afronta. Quantos foram os que já perderam o gosto pela vida?

Já ouvi falar que o egoísmo advém da infância mais tenra, quem sabe já nasça com a gente. Quando mal aprendemos a esboçar as primeiras palavras, construímos um mundo só nosso, no qual somos os donos e criadores de tudo, não é à toa que é predominante a frase enfática: É MEU!!!
Na juventude, o “é meu” é internalizado e se calcifica no espírito, de tal forma, que se materializa em uma luta esquizofrênica por uma pseudo-sobrevivência. O ego não é mais alimentado por sonhos próprios do indivíduo, senão atribuído às conveniências do mundo externo. É a batalha pelo tão sonhado status quo, uma coleção de prêmios e condecorações que não pertencem ao eu, mas sim a ideais externos com significações diferentes do que é “sucesso”.

Nessa concepção, o sucesso parece estar fora da morada da felicidade e residir no acúmulo de títulos e de riquezas. É, nesse momento, que o ego incorpora o alter (relativo ao outro), e algo fica bastante errado dentro de nós, é o adiamento ou a total destruição do carpe diem. Uma dominação total de um narcisismo predatório.
Estamos vazios de si e transbordados de “egoísmo repleto de alterismos”. Parece contraditório, não? O problema é o modo utilizado para satisfazer esse ego demente: mentiras, omissões, traições. Tudo vale no mundo dos prazeres ilusórios! Será, os fins, realmente, justificariam tais meios?

Lembro agora de Jean-Paul Sartre, o inferno são os outros! Viramos o inferno dos outros, porque o inferno são os outros, que também sou eu!
Essa doutrina fiel ao ego se espalha como cancro e produz mitoses sucessivas de individualismo e de destruição. Para quê eufemismos, em se tratando da vita brevis?
Portanto, meu caro, cuida, cuida de si! Olha-te adentro, bem no fundo. E verifica se tua luta é válida, se é luta por felicidade própria ou se é guerra comandada pelo mesmo exército que te trai e te acorrenta. Corre e lembra-te: na morada da felicidade há espaço para todos, é ilimitada e está mais perto do que qualquer ser humano possa sequer imaginar! 



sexta-feira, 13 de julho de 2012

Parei de escrever






Parei de escrever... e não compreendo, por que toda vez que vou à cozinha tenho de acender um palito de fósforo. A chama acesa, o cheiro da madeira queimando, vão me consumindo.  A idéia de ser possuída pelo fogo é tentadora, mas não, nunca chego lá. Não deixo que a chama alcance meus dedos. Assopro e simplesmente deixo que a claridade...

Parei de escrever e meus dedos se queimaram na fogueira. A claridade não pode chegar até meus dedos, se não se compõem em palavras. Luz e fogo, dolorosos. Eu não me importo com coisas vãs; lapso, só achei que essa frase daria credibilidade ao texto. Que nem quando somos mais novos, nos importamos tanto com coisas vãs, o tempo passa, nem ligamos mais, e achamos outras coisas vãs para dar conta, que não são vãs pra gente. Acho que você entendeu.

Não me importa, não me importo com coisas vãs. Parei de escrever... E exalo essa fumaça por onde passo. Talvez um dia eu aprenda a reacender coisas vãs e dê um mergulho em minha própria loucura.

Fósforo caído
o papel
as palavras ardem
e vão para o inferno eterno
do não dito.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

E de repente... Cadê eu?



E de repente... puff... Cadê eu?
Me procurei ontem na brincadeira de pique-esconde. Ficarei na “mãe” eternamente, não tá fácil encontrar essa garotinha travessa. Antes de perdê-la, lembro-me das suas invencionices de histórias. Ah, ela não cansava. Contava a si mesma, mil e umas. No futuro, faria uma novela mexicana, emocionaria plateias e publicaria uma infinidade de romances. Depois, teria um castelo nas montanhas, onde haveria bailes suntuosos a toda semana. Daria passeios no seu submarino cor-de-rosa ou no seu cavalo alado azul, que se chamaria Pegasus.
A última história que ela se contou, todavia, foi a de que seria uma palhacinha. Ladra, em realidade, de sorrisos. Encantaria as crianças minguantes em saúde, mas tão cheias de sonhos. Desde então, ela se escondeu e não mais a encontrei.
Hoje, caminhando pela rua, a que antes era de pedrinhas de brilhantes, recorri à outra tentativa frustrada a fim de achá-la. Olhei pela calçada, entre as pessoas e até, acredite, na vala... e nada. Ai, menina! A gente sente saudade, sim. Essa palavra intraduzível.
Olha, se voltares, te prometo uma Barbie nova. Não queres? Então te dou uma sacola transbordando de doces. Tudo bem, eu entendo. Difícil ter acordo. O esconderijo é mais seguro, não é mesmo?
Aqui fora é um tanto desolador, um mundo apavorante, no qual se sobressaem malícias e maldades. Mas, garotinha, disseram-me que quando a gente cresce é obrigado a enfrentá-lo e daí, botar a cabeça para fora do casco que nem tartaruga. Por isso, deve ser quase certo que, um cara chamado Hegel diria que crescer é a antítese da essência e ambas, em confronto disputado, gerariam uma síntese chamada “máscara social”.
Espera... Menina esperta! É isso. Não te escondeste, apenas te fantasiaste de “ser adulto”. De ser um ser que se esconde.


segunda-feira, 7 de maio de 2012

Sobre o amor: simples e complexo


O amor não é dessas coisas impalpáveis, que se tem a longa distância. O amor é a maior proximidade que se pode ter. É o tão perto, que não se distinguem dois, é UM que são o suficiente. É partícula subatômica e vários universos reunidos.   
Amor, não é dessas coisas inodoras. Tem o cheiro de todas as fragrâncias reunidas, o suor da infância, o perfume de uma mãe. O amor é um dia e uma eternidade, é aconchego e temor. Não se escolhe a quem se ama, não se escolhem as cenas; os episódios são um misterioso desconhecido, cheio de encantos e, por que não, decepções.  
O amor não é romantismo livresco, é um complexo de drama, tragicomédias, suspense e poesia. É isso, esse tal amor. É a pura poesia. Um regalo dado em um não sei quando, nem onde. Um regalo que bate às portas da sensação.
As linhas, os códigos, não descrevem o amor. O amor é sentido, não só por batimentos cardíacos acelerados, mas também pela razão, que a cada dia tem medo de perder o ser amado. Se ama, se é amado, se perde, é-se encontrado.
Ser amado é sublime, porque não se pede ou não se aprende, é coisa em si. Dessas que se completam dentro de si e se falam por si só. Ser amado é ter colo, ombro e braços além dos próprios. É planejar um futuro inteiro juntos e ter medo das surpresas do destino.
Engana-se quem crê em sentimento sem medo ou tristeza. Porque amor é vida, é a vida imperfeita que sendo um milagre se converte na maior das perfeições. Amor é a saudade contínua do instante. Passado, presente e futuro.
Amor é som. Assobia, sussurra, musicaliza, faz barulho.
E, sabe? É engraçado, mas amor não se escuta, não se vê, não se toca e muito menos se cheira. Não se lê, nem se escreve. Entretanto, eu posso garantir uma coisa, ele existe. Sim, ele existe em eterna brincadeira, dentro e fora da gente.
O grande lance do amor é correr sem direção, ficar se escondendo e se exibindo. O grande lance do amor é que ele existe, ainda quando insistimos em negá-lo e mesmo que tentemos esquecê-lo.

Ame.




quarta-feira, 25 de abril de 2012

E quando vemos já se passaram duas décadas...




Você chega em casa e agradece por estar vivo, não por ter tido um grande dia, senão por chegar incólume, sem nenhum vestígio de violência.

Os dias vão passando, rotinas, lágrimas, alegrias e quando você percebe já se passaram duas décadas e sonhos foram deixados para trás. Onde largamos a força que tínhamos? Em que momento paramos de acreditar? Talvez, sejam perguntas mais fáceis de se fazerem do que questionar o porquê de tudo isso. Tempo e lugar são perspectivas mais simples que causas, vítimas ou culpados.  

Não dá para entender muita coisa. Qual o sentido de tudo? Tal como Chapeuzinho Vermelho, escolho o caminho dos alfinetes ou das agulhas? Mas, duas décadas se passaram e o que ainda nos resta? Quem sabe, o reflexo da lua. Jaci sempre esteve lá, mesmo que às vezes oculta. Nas piores noites, lutando contra os fantasmas que lhe atormentavam. Lá estava ela, no alto de um céu confuso e, no seu silêncio, tentava lhe declarar as verdades da vida. Custamos a crer em verdades, é mais seguro que tudo seja uma grande mentira.  


¡Dime luna, dime! ¿Cómo se llama lo que soy? Ninguém sabe o que escondo... Por que é tão complicado olhar para dentro de si? A paisagem sempre muda ou os olhos é que nunca são os mesmos? Seria ótimo, mergulhar menos em interrogações e simplesmente afogar-se em um mar de respostas. Essa vida entrelínica é aterradoramente dura. E quando vemos já se passaram duas décadas. Tudo foi parte de um pretérito imperfeito. E a realidade é que, nesta noite, ninguém vai te ler, nem mesmo a lua. 




sábado, 31 de março de 2012

Do riso, fez-se o pranto

As Parcas, 1795. Wlliam Blake (Inglaterra 1757-1827)

Do riso, fez-se o pranto; do sorriso, o desperdício. Sou a morte da estrela, um passado ainda visível. O instante que se perde, se renova no agora. Da morte faz-se a vida. Sou dor e fantasia, a fantasia de uma dor, a dor da fantasia. E tu que me lês, que dirás? Que sou abismo de loucura, que sou ferida escondida.
Tu que te ris, te banharás no rio do Destino, nos banharemos em festejo ao ingrato fado.  Água. Escorrerá na clepsidra. Os elfos te riem, teu bosque é armadilha.
Ela te espera no embalo da canção de ninar, para que despertes e corras até ela. Ela, demente, frígida, crua.

Livre!!! És remendo do passado, agulha do presente e fio do futuro. Livre... pois são Parcas que te tecem. Livre?

Caminhamos em única vereda. Paramos ao respirar a existência. Seguimos pelo pensar do inabalável. Abalo. Pausa para não colidir. Colidimos. O agora? Feche os olhos para saltar. ver demais nos cegou. Queda e morte? Queda, caso e razão.
Tu és íngreme derrapada, um caso sem acaso, prisioneiro da razão. As Parcas que não ouçam teus gemidos, oculta a face do amanhã. Silêncio de si, noite do outro. E este ser sem sangue, verbo de conjugação futura, consome teu ser sem coração. Inimigo imaginário, a dúvida... Teu futuro, as Parcas, tu. O eu. Não suporto mais a imagem do espelho.